Antes de começar o meu textão, gostaria de dizer 3 coisas. A primeira é que eu ainda não fiz a minha campanha de crowdfunding, apesar de apoiar muitas (mesmo!) desde a primeira de campanha de quadrinhos feita no Catarse pela dupla do Quadrinhos Rasos em 2011, então posso dizer algo pelo menos em cima do que acompanho da evolução da ferramenta, dos utilizadores, do público e das diversas formas de buscar a grana para dar vida ao sonho das pessoas. Se o que você quer mesmo é ver dicas de alguém que já fez algum(ns) projeto(s), sugiro ler os textos do Yoshi no Majericcão. A segunda coisa é que este texto não tem nenhuma pretensão acadêmica, é uma mera divagação pessoal para também levantar alguns pontos que eu acho importantes no assunto, além da eventual cagação de regra que eu estou assumindo a responsabilidade. E, terceira, aqui não vou citar nomes ou campanhas que fizeram o certo e/ou o errado, o que seria injusto com ambos os lados e não é o objetivo queimar o filme nem exaltar ninguém diretamente. Muito menos isso é um desabafo descabido: eu quero mesmo é que as coisas ruins que eu cito aqui não aconteçam mais e que isto possa ajudar este método de financiamento a alçar vôos mais altos.
Aliás, acho que este texto é mais um prestenção nos que querem fazer o seu. E acho que também uma espécie de papo de bar com os amigos que consomem produção independente por estas bandas… desenhadas (não resisti à piadinha, me perdoem desde já pelo vacilo).
1. Uma Boa História
Talvez o Capitão Óbvio esteja montado nos meus ombros agora, mas em muitos projetos infelizmente ele nem passou perto. Ter uma boa história para fazer sua HQ é tão básico que não deveria nem fazer parte desta lista, mas a gente continua lembrando as pessoas porque, sim, precisa. Não adianta só ter um desenho bonito, tem que ter uma boa história. Muita gente diz que gosta de escrever, mas poucas são as que vão correr atrás de aprender sobre roteiro. E hoje, com a internet aí, não é tão difícil assim. Se o aspirante a roteirista não sabe o que é a estrutura de roteiro em três atos ou que no final alguma coisa precisa mudar no protagonista, é hora de dar um passinho para trás e estudar mais. Não que seja impossível ser autodidata nesta área, mas você sempre será a versão mastigada do que foi mastigado pelos autores do que você consumiu se não correr atrás por conta.
Vários projetos você vê logo de cara que tem uma história confusa, que talvez nem tenha sido escrita totalmente ainda e existe apenas na cabeça do autor. Mas quando o projeto está razoavelmente organizado, a gente costuma ser enganado. Já tive algumas decepções com quadrinhos independentes que colaborei, mas graças ao filtro do “isso já parece ruim agora, imagina depois” eu consegui evitar várias furadas que milagrosamente foram financiadas.
E além de ter bolado esta sua história, que tal saber explicar esta história? Faça uma boa sinopse para explicar não só agora, mas também quando for vender este seu trabalho para outras pessoas.
2. Uma Boa Apresentação
Eu fico extremamente preocupado com o futuro de um projeto toda vez que vejo uma apresentação ruim. Ou o texto do projeto não se explica direito, ou não tem um vídeo com uma explicação decente e qualidade boa, ou não colocou nenhum exemplo do que vai ser feito como sketches, ilustrações coloridas, etc, ou todas estas coisas unidas que pela união dos seus podreres formam o Capitão Problema (– Vai Problema!).
Existe uma coisa chamada marketing que segundo a Wikipedia “…é o processo usado para determinar que produtos ou serviços possam interessar aos consumidores, assim como a estratégia que será utilizada nas vendas, comunicações e no desenvolvimento do negócio. A finalidade do marketing é criar valor e satisfação no cliente, gerindo relacionamentos lucrativos para ambas as partes […]”. Agora eu pergunto: Quem são seus consumidores? Qual sua estratégia de vendas? Como você vai criar uma expectativa de satisfação no cliente?
Coloque-se no lugar do cara que você quer que compre a sua ideia. Você compraria sua própria? Que tipos de projetos te atraem? Será que este seu projeto causaria este efeito em você? Porque o pensamento de que “os meus futuros consumidores vão me entender mesmo se eu me explicar mais ou menos” é perigosíssimo. Com um bom papo, você vende até gelo para esquimó, digo, inuíte. Porém, se não souber se explicar, fica difícil até dar água para quem está com sede. Além disso, saber quem é o cara por trás do projeto também ajuda bastante e cria empatia. Inconscientemente as pessoas vão pensar “olha, tem uma pessoa ali como eu e ela quer minha ajuda!” ao invés de “quem é esse cara que quer meu dinheiro?”.
Venda bem seu produto e venda bem o seu autor e talvez as pessoas se interessem mais em comprar sua ideia.
3. Um Bom Preço
Esse cara é legal, o projeto aparenta ter uma história legal e interessante, tem uns desenhos maneiros, mas…
– …ele quer me vender cada página com desenho impresso em preto e branco por 5 reais?
Ou…
– …ele quer 50 mil reais para imprimir mil livrinhos desse aí?
O preço final do projeto é um ponto crítico. Levando em consideração a sua expectativa de público colaborador, você acha que vendendo cada livro a que preço consegue chegar no valor desejado? A matemática é complicada, e já que o Yoshi em um dos textos lá de cima fala muito bem do assunto, vou me ater aos finalmentes: Só não seja cusão com o seu apoiador. Sim, com palavrão e tudo.
O pior ponto possível que se pode chegar quando falamos de preço individual é quando no financiamento o preço do livro mais o frete sai anos-luz mais caro que se o apoiador esperasse o lançamento e comprasse depois. Não, financiamento coletivo não é pré-venda e, não, ninguém é obrigado a cobrar muito mais barato lá, mas também o apoiador não é obrigado a tatuar otário na testa quando teve que pagar uns 80 reais só para ter seu livrinho mesmo sem ter certeza que ele ia sair e agora você vende a 40 na livraria.
4. Um Bom Relacionamento
Você quer lucrar com seu projeto ou tirar uma grana para se manter enquanto produz? Fale isso aos apoiadores. Você quer fazer um frete maneiro, mas isso vai aumentar o custo? Fale isso aos apoiadores. Você fez um primeiro orçamento, mas agora saiu por editora e vai ficar mais barato? Fale isso aos apoiadores. Deixe-os cientes dos acertos e dos erros e você tem mais chances de continuar com estas pessoas acreditando em você numa possível próxima vez, mesmo que tenha errado em alguma coisa nesta.
Crowdfunding (geralmente) é uma coisa de pessoas para pessoas e pessoas se importam. Para cada um que faz uma dessas no financiamento coletivo, maior é o dano é causado na imagem do formato por aqui e menos pessoas se interessam em ajudar, já que tiveram uma ou mais grandes decepções.
Não é tão difícil assim mandar um e-mail amigável explicando um pequeno problema ou alguma boa novidade, certo? E se deu problema, que tal tentar contornar de alguma forma este arranhão na sua credibilidade?
5. Um Bom Fechamento
Acabou a campanha, você tem a grana e vai imprimir. Que tal, na hora de enviar, entrar em contato de novo, rever endereços, checar se está tudo certo, perguntar opiniões, etc? Tem aqueles ditados filosóficos de que “o importante não é a chegada, mas sim a jornada que nos leva até ela”, porém a chegada, o final, é muito importante também, sim, inclusive numa campanha com tanta gente envolvida como costuma ser no financiamento coletivo.
Conheço dezenas de fãs de Lost que aceitaram todos os problemas da série até que passaram a odiá-la depois que o final os decepcionou, assim como pessoas que acharam O Poderoso Chefão tedioso até o glorioso final salvar a pátria.
Uma última surpresa, um último agrado, e pronto: você conquistou um apoiador-admirador por mais um longo tempo.
Concluindo
Gostaria de deixar o tópico aberto às críticas de vocês; de ver mais discussões e mais ação neste sentido; e de ter mais gente se informando. Nem que isso custe a total destruição destes meus cinco pontos destacados, vale o sacrifício do texto. Tem muita coisa ainda que nem cheguei a abordar, como a queda de projetos bem-sucedidos em 2015 comparando com 2014, a leva de pessoas buscando finalmente seu livro impresso sem conhecer o mínimo da ferramenta, entre outros. Fica aberto também a sugestão de mais coisas para ser discutido por aqui, ok?
Muito obrigado pela leitura e até a próxima.
PS: Mais uma coisa: se você achou este texto legal e que talvez mais gente deveria ler e pensar, que tal compartilhar nas redes sociais? Vai ajudar bastante!