Olá! Sou Digo Freitas, criador do Tinta Fresca. Junto com meu amigo e também quadrinista Vinícius Gressana escrevi e produzi a graphic novel “Tinta Fresca: Destino Traçado”, lançada em Setembro de 2016.
Aviso
Se você caiu neste post por acaso e ainda não leu a HQ, recomendo MUITO que a compre na loja e a leia antes de ver o conteúdo desta página, pois vou revelar muitos pontos importantes da história conforme falo sobre a produção.
Tópicos:
Como Nasceu a Ideia da HQ
A idealização desse projeto foi bem longa, com altos e baixos, muitas correrias e muitas pausas, mas acima de tudo feita com o coração. E o tamanho dessa saga é um dos motivos de eu e o Vinícius termos optado por não inserir na obra impressa nada sobre os bastidores. Se você tiver paciência de ler, é um registro histórico de quase tudo que eu lembro e que vale a pena destacar na história dessa produção do meu ponto de vista. Espero que o Vinícius também faça um com o ponto de vista dele sem detalhar muito as partes em que eu falava que achava que ia morrer ou que eu ficava tentando não fazer pressão na produção dele enquanto fazia mesmo assim.
Ela começa por volta de 2012, não me lembro exatamente a data. Estava conversando em um bar com um amigo e ele me propôs uma ideia de uma história em quadrinhos, já que eu desenhava desde 2010 para meu site de tirinhas Esboçais, na qual um personagem pode desenhar coisas e elas “ganham vida”. A ideia inicialmente me pareceu muito genérica, porque sabia que esse tema já fora trabalhado em outras obras mesmo que eu nunca lembre quais, mas já tinha visto algumas. Disse que ia pensar mais na ideia e deixei para lá. Ou pelo menos tentei, porque essa temática não saia da minha cabeça.
Em algum momento me ocorreu a ideia de que daria uma praticidade interessante se o personagem desenhasse usando sprays de tinta e disso para que ele fosse um pichador/grafiteiro foi um pulo rápido. Tendo tal talento em mente, percebi que ele seria uma espécie de herói adolescente, com Homem-Aranha, Super-Choque, Fullmetal Alchemist e Scott Pilgrim sendo grandes inspirações para mim nesse sentido na época. E também que seria uma oportunidade para fazer o meu personagem deslocado da sociedade ser de um outro jeito que não fosse o clichê homem branco padrão que já é a maioria no mundo dos quadrinhos. Assim nasceu Ícaro, garoto negro de que estuda numa escola onde ele não se encaixa e que picha como forma de externalizar sua revolta adolescente.
Na época eu fazia meu primeiro curso de ilustração com o Mario Cau e foi com ele que discuti algumas das primeiras ideias da HQ e também aproveitei para desenvolver os designs dos personagens e algumas capas de teste a seguir:
Por essa participação embrionária na ideia e de nossa longa amizade desde então eu convidei o Mario a ser o prefaciador desta obra, que para minha alegria, aceitou com prazer imediatamente.
A Webcomic
Tendo um personagem pronto, era só começar a fazer esse quadrinho, certo? Mas havia um problema bem crítico: eu não tinha experiência com criação e muito menos desenvolvimento de histórias mais longas que tirinhas. Mesmo com alguns testes com literatura durante a minha adolescência que nunca saíram das pastas do meu computador e de alguns cadernos, eu não tinha a menor ideia de como fazer uma história do início ao fim. Fiquei jogando a ideia para lá e para cá, criando outros personagens que nunca cheguei a usar, mas a necessidade de uma história estava sempre no caminho. Sei que existem métodos de criação de histórias apenas baseadas em personagens, chamadas lá fora de “character driven”, mas para mim esse método era inviável: eu precisava de algo mais sólido para trabalhar.
Em 2013 esse projeto já tinha se tornado um simbionte em mim, onde toda nova ideia que eu tinha ou que eu já havia pensado no passado ia se encaixando no universo do Ícaro compulsivamente sem necessariamente fazer sentido, formando uma massa de ideias legais ou loucas que não conversavam bem umas com as outras. Nesse ano eu lancei meu primeiro quadrinho impresso, uma coletânea de tirinhas do personagem título que era um estereótipo de pedreiro ofensivo, “O Pedreiro – Vida, Obra e Cantadas” (subtítulo esse sugerido pelo próprio Vinícius numa época que só nos conhecíamos pela internet).
No Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ) de Belo Horizonte no final do ano foi o grande evento onde vendi e conversei bastante sobre HQs. Saí de lá querendo fazer muito mais que tirinhas e aquela sede acabou corroendo meu interesse em fazer quadrinhos simples com piadas como tentava fazer até então. Lá, conversando com meu amigo quadrinista, Rafael Marçal, contei um pouco das ideias que já tinha para o Tinta Fresca, que nessa época já tinha ganhado esse nome, e ele, ansioso, me obrigou a lançar algo com isso ainda naquele ano, senão ele iria roubar a minha ideia, e eu prometi que iria. De brincadeira, obviamente, mas isso me motivou a pegar mais firme.
Escrevi o primeiro roteiro do primeiro capítulo ainda sem saber muito bem como ia ser o final, mas querendo aplicar aquele monte de ideias conforme a história andasse, criei mais alguns designs de personagens, criei um site novo chamado “Diário de Ideias Gráficas (quase) Originais” e fiz a primeira página para publicar dia 31 de Dezembro de 2013, inaugurando a webcomic e cumprindo a promessa de lançar a história ainda naquele ano. Foram muito divertidos todos os seis meses em que produzi as páginas, ótimo retorno dos amigos, dos desconhecidos, bastante aprendizado. Mas como disse anteriormente, eu só funciono com uma história pronta para seguir, mesmo que seja para alterar algumas coisas no meio do caminho e sem isso eu não consigo ir muito longe.
Lutando contra isso, consegui chegar na página 18, mas foi o máximo que espremi do pequeno conhecimento que eu tinha de criação de histórias. Percebendo que a história se desenvolvia a passos lentos por ser uma página por semana, decidi jogar fora parte do capítulo 1 e 2 e reescrever para acelerar a conquista dos poderes do Ícaro. Então finalmente cheguei num momento que eu queria inserir a Natália (na época totalmente diferente, mas era “a garota da história”) no enredo, mas ela tinha outro nome, outro foco. O maior desafio seria o design dela. Passei dias, depois semanas, depois meses, aí percebi que o problema não era ela, era eu! O roteiro nunca pararia de patinar naquele ritmo de produção, então oficializei o fim da webcomic em Outubro de 2014. Iria fazer outras coisas e depois voltaria a fazer o Tinta Fresca se um dia tivesse capacidade de lidar com tudo aquilo que eu havia acumulado.
Respirando um Pouco… ou Não
Eu tentei e fiz mesmo outras coisas nesse período. Terminei o zine “Em Busca de Pedra Dura” de 24 páginas no mês seguinte e a imprimi para os eventos que ainda viriam, voltei a fazer tirinhas e outras pequenas histórias como o projeto Brasil Rumo a Quê?, produzi matérias para a MAD, estudei bastante sobre roteiro ao ponto de fazer anotações em vários cadernos, fiz cursos curtos de desenho com o mestre Octavio Cariello. Enfim, muito treino artístico e muitos eventos comparecidos.
Só que em paralelo eu tinha um problema pessoal bem grande ao meu lado: meu pai, que já tinha retirado parte do intestino dez anos antes, tinha descoberto uma doença no fígado chamada de Hepatite Auto-Imune que os médicos não estavam conseguindo lidar e eu seria um potencial doador caso chegasse a um ponto de transplante. Ajudei no que pude, eu e ele fizemos baterias de exames, mas o transplante não pôde ser feito, pois os médicos achavam que meu pai estava muito fraco para a cirurgia. Em Junho de 2015, após anos lutando contra esse quadro, perdi o meu pai, que também amava escrever e criar, e isso foi muito doloroso para mim. Porém eu precisava dar forças à minha mãe para superar esse momento difícil, então não me deixei derrubar e segurei a barra.
Foram nesses dias de luto em casa que a ideia de escrever o Tinta Fresca voltou com mais clareza e certeza: não tinha outro jeito, era essa história que eu usaria para fazer minha primeira graphic novel.
Agora é Sério
Tirei férias do trabalho para ir ao FIQ 2015 e depois passei as semanas seguintes escrevendo e estudando sem parar, focando em ter uma boa base de conhecimento para escrever uma versão final do roteiro do Tinta Fresca com a qualidade merecida. Em um dia de inspiração, fui escrevendo cenas em post-its freneticamente e colando no meu armário até que tinha uma história toda montada. Quando escrevi e colei o último papel, li aquela história e gostei do que eu tinha criado. Finalmente o Tinta Fresca tinha um começo, meio e fim e estava de acordo com o que eu tinha estudado e aprendido de roteiro até lá. Essa versão resumida apenas em situações eu tomei de base para escrever um roteiro corrido mais longo e depois decupar a história em uma quantidade certa de páginas, que acabou chegando a noventa.
No final deste mesmo mês, o Marçal conversava com o Vinícius sobre ele ter vontade de me ajudar com o Tinta Fresca, já que lia desde a época que era uma webcomic em 2014, e após algumas frases trocadas em 24 de Novembro de 2015, topamos uma parceira na produção e o trabalho nessa história foi dividido entre nós dois: eu cuidaria do roteiro e de metade da arte e ele da outra metade. Por conta de um puxadinho na mesa dos meus amigos Rafael Marçal e Fábio Coala entrei na Comic Con Experience 2015 como expositor e lá eu prometi a um monte de gente que em 2016 o Tinta Fresca ia ser meu novo lançamento. Promessa essa que eu pretendia cumprir a qualquer custo.
Passando os recessos, carnavais e tudo mais, só consegui terminar de tratar, revisar e decupar o roteiro por volta do final de Fevereiro de 2016 e pelo cronograma inicial que eu tinha montado deveríamos começar a desenhar no mesmo mês. Porém ainda haviam os thumbnails (layouts de página) para serem feitos que apesar de parecerem ser apenas pequenos rabiscos nos deram um trabalho muito além do previsto e atrasamos o início da produção das páginas para quase dois meses depois da data original. Enquanto isso também solicitamos diversos orçamentos de gráficas para impressão do quadrinho e tentar o melhor custo-benefício possivel.
Vai, Campanha!
Por causa do atraso inicial, começamos a desenhar pouco antes de lançar o projeto no Catarse em 11 de Abril de 2016, usando as artes conceituais para divulgação e criando algumas outras para ter mais conteúdo na página da campanha de arrecadação, além do vídeo que foi composto de gravações feitas cada um em sua cidade, onde eu editei da melhor forma que pude. Então começou a parte mais complicada e que espero não repetir futuramente: divulgar a campanha enquanto produzia o material com prazo apertado.
Tínhamos que mostrar novidades aos atuais e futuros apoiadores, mas estávamos atolados em páginas para produzir, com cerca de 40 para cada um, o maior número de páginas para uma mesma história que ambos jamais tínhamos feito. Era tudo muito frenético, mas sempre mantivemos a calma quando nos pronunciávamos publicamente sobre o trabalho.
Para piorar, 2016, seguindo o ano anterior, estava mostrando uma queda vertiginosa no número de pessoas interessadas em investir em novas HQs no Catarse, talvez porque muitas obras de baixa qualidade foram financiadas e desagradaram os apoiadores, ou por causa da crise que já assombrava o país há um tempo, entre outros possiveis motivos, dificultando nossa arrecadação a alcançar o valor necessário mesmo que com uma meta baixa e com um bom investimento nosso já previsto inicialmente.
Foi uma luta tensa até o final, porém graças ao apoio dos amigos e dos fãs conseguimos fechar o projeto acima da meta e pudemos seguir com o plano de aumentar a quantidade de páginas do livro e adicionar outros detalhes.
Produção, Pós-Produção e Cores
Quando a campanha terminou, ainda tínhamos páginas para desenhar e o Vinícius estava de mudança para Curitiba/PR. Nesse meio tempo eu acabei me desencanatando com o final original, que terminava de forma depressiva demais em um cemitério logo após uma morte trágica, então voltei para o roteiro e reescrevi cerca de 15 páginas para corrigir o tom e inserir algumas informações extras sobre o futuro dos personagens. Digamos que, se o Tinta Fresca fosse um filme, isso seria mais como uma interferência no roteiro pelos produtores do que uma refilmagem. Sendo assim tive que descartar os layouts antigos e perdi mais alguns dias nesse processo. E ainda tínhamos que escanear todas aquelas páginas e tratá-las no computador, outro processo que demorou mais do que o previsto.
Enquanto terminava as minhas correções, dei a missão de letreirizar toda a HQ ao Vinícius, que foi felizmente muito rápido na tarefa. Como numa página de texto é difícil imaginar perfeitamente os encaixes dos balões de texto nos quadrinhos, algumas adatações foram necessárias e ele fez mais um trabalho excelente nesse sentido. Tendo o texto aplicado, já era possível ler a HQ e fiquei feliz com o resultado inicial. Fomos então para a fase dos “flats”.
Para quem não sabe o que é flat, é basicamente uma etapa onde um colorista ou o seu assistente separa as áreas de cor, utilizando cores que não necessariamente serão as finais, reduzindo assim o trabalho do colorista quando for aplicar a paleta final de cores. Como em Março de 2016 eu havia feito um curso de colorização avançada de 5 aulas com o colorista Marcelo Maiolo (DC, Marvel, entre outras), aprendi técnicas de colorização com máscaras que agilizam muito o processo que eu utilizava anteriormente e com isso pude ir avançando rapidamente nas etapas, aplicando primeiro as paletas em todas e depois os detalhes de luz e sombra para dar volume.
Foram duas semanas colorindo sem parar, dormindo 8 horas e o resto do dia em cima da tablet com os arquivos. Depois de alguns primeiros testes a coisa engrenou e fui avançando bem rápido. Um detalhe também sobre o curso que fiz e que já tinha ouvido outros coloristas como a Cris Peter falar é que quando se trabalha com arquivos com cores no modo CMYK (padrões voltados para impressão, RGB é apenas para mídias digitais), a camada Key (uma espécie de preto) é a mais problemática e costuma estragar a forma que você previu no monitor, por mais regulado que esteja, porque fica na mão da gráfica e isso pode arruinar toda uma produção. Trabalhei apenas com ciano, magenta e amarelo e utilizei o K em momentos pontuais, o que deu um resultado de impressão quase perfeito em relação ao que eu visualizava no monitor de casa.
Acabei não fotografando muitas páginas inteiras com rascunhos em azul, então me sobrou apenas uma foto que tirei para mandar para o Vinícius, e a tratei na medida do possível para colocar aqui no artigo. Ficou bem ruim a conversão, mas pelo menos serve para exemplificar cada etapa do processo de uma das páginas da HQ.
- A partir do thumbnail faço a página A3 em grafite azul;
- Depois de satisfeito com o rascunho, faço a arte final com pincel e nanquim, contornando cada quadro com régua e um marcador de ponta porosa;
- Escaneio e faço o tratamento do desenho, tirando sujeiras e erros e também corrigindo detalhes que me incomodam. Aplico áreas em preto;
- Separo as áreas do desenho para colorir, geralmente com cores aleatórias;
- Aplico as cores finais, luz, sombra e balões de texto.
Com o miolo em uma situação razoável, faltava montar o livro e fazer revisões.
Capa e Editoração
Uma das coisas que aprendi e que valorizo muito quando falo de quadrinho independente é a capa. A capa é o chamariz do futuro leitor, ela precisa chamar a atenção dele de longe, tem que instigá-lo a pegar o livro e folhear, tem que ser bonita e deixar um mistério do que pode acontecer dentro daquele livro. Outra coisa importante é o que tem no meio e no começo da história, pois muitas vezes é lá que a folheada vai chegar bem rápido. Alguns começam a ler do início para ver se gostam, outros abrem para ver rapidamente que tipo de conteúdo existe ali. No Pedreiro, por exemplo, errei ao colocar algumas das piores tiras exatamente no meio, erro que levarei para sempre comigo como um “nunca mais”. Por fim, os pequenos detalhes que dão o toque final, como fazem um pouco de azeite, orégano e um verdinho sobre um prato que já está gostoso, mas que pode ficar mais sofisticado ainda.
Decisões editoriais são muito importantes. Um quadrinho ótimo pode ser arruinado por uma edição descuidada, como quando se coloca páginas duplas em locais incorretos e as quebra ao meio entre viradas de folha. A minha pequena experiência com isso foi com meus outros livros impressos: O Pedreiro (2013), DISCO (2013) e Em Busca de Pedra Dura (2014). Para estes utilizei pouca referência na montagem, evitei me prologar nos detalhes e dados. O foco era no conteúdo bruto que eu produzi.
Já no Tinta Fresca eu queria um livro com cara de livraria, então o esforço foi maior. O primeiro deixei a cargo do Vinícius de bolar alguns layouts, que fez algumas propostas de desenhos e a gente foi encaminhando, pensando naqueles detalhes que citei acima. Com o desenho pronto, o trabalho agora era meu, de organizar os elementos de forma orgânica e adicionar a minha parte da capa, que é o Arthur e o Porco dentro de um fundo rabiscado sobre uma cidade. Nesse momento me convenci que o logo original criado para a campanha no Catarse já não servia, era vertical demais para o tipo de capa que buscávamos, então criei um novo, já aplicando o subtítulo “Destino Traçado”.
Nos inícios das conversas sobre a capa eu já havia citado para o Vinícius que eu gostaria de colocar um selo de editora na capa ao estilo Marvel/DC, nem que fosse um selo independente nosso. Na fusão dos nomes dos nossos sites, surgiu Daily Coffee Comics, e o logo foi, na minha opinião, um tiro certeiro meu, que de primeira consegui aglutinar diversas ideias dentro do mesmo símbolo, como uma caneca e um grão de café, nós sermos uma dupla, as letras D e C, etc.
Como o desenho mais chamativo da capa foi criação do Vinícius, criei um outro para a parte de trás com o meu traço, mas ambos ficaram com cores minhas, assim como o livro. Os desenhos das orelhas, cada um de um autor, era para ser uma brincadeira simples, ao invés de colocar descrições sérias, biografias ou recomendações, e então fizemos versões fofas dos protagonistas em ação. Já a contra-capa, desenho da cidade, é o mesmo visto na capa.
Quanto às decisões do miolo, nós tínhamos uma série de dúvidas, que seguem:
- Um prefácio ou dois? (para evitar injustiça caso o outro autor tivesse outro artista em mente)
- Colocar ou não making of dentro do livro?
- Colocar ou não uma separação de capítulos entre as partes de cada desenhista?
- Quantas páginas para os agradecimentos?
- O que colocar nas páginas que antecedem e sucedem a história?
E sempre consultando muita referência de livros de grandes editoras, como “The Rocketeer: As Aventuras Completas” (HQM/Comico Comics), “Ms. Marvel: Nada Normal” (Panini/Marvel), “Penadinho: Vida” (Panini/Maurício de Sousa Produções), alguns livros de amigos também financiados através do Catarse, entre outros. Com o código do ISBN em mãos pude colocar um código de barras na quarta capa e também um índice catalográfico na ficha informativa do livro. Montei uma versão primitiva do miolo a uma semana antes de entregar para a gráfica e fui para um curso de edição de quadrinhos com o editor da Maurício de Sousas Produções, Sidney Gusman. Esta versão recebeu revisão da Mariana, mas logo após o curso fiz tantas modificações em arte e texto que precisei de uma nova revisão completa. Ela estava viajando, então recorri ao meu irmão Guilherme para fazer essa nova tarefa, que acredito ter feito um trabalho primoroso.
O curso com o Sidão foi um divisor de águas para mim e para o projeto. Ao apresentar problemas de edição de outras publicações, mostrar qual é o trabalho de um editor de HQ, nos dar exercícios de práticos e nos fazer pensar sobre tudo isso, percebi que tinha muita coisa a ser melhorada ainda no livro. Pedi a ele alguns minutos após o final do longo e produtivo curso de 6 horas para ver como estava a história no meu tablet e ele passeou por todas as páginas e fez diversos comentários muito úteis. Também me ajudou a decidir que não colocaria divisão de capítulos ao mudar de artista no meio da história. Por essas e por outras coisas, acabei colocando um agradecimento a ele no livro.
A galeria de artistas no final foi uma parte que foi complicada, porque eu defini a quantidade de artes poucos dias antes de fechar tudo e quase ninguém que eu convidei poderia fazer a arte em tempo. Muita gente acabou ficando para um projeto futuro, mas eu gostei bastante da composição final dessa galeria. Grandes amigos e grandes ilustradores.
O livro foi então para a gráfica e eu fiquei aguardando ansioso a entrega na casa do Vinícius
A Chegada das Caixas e os Envios
O processo todo da impressão foi feito em meu nome, mas a entrega seria feita em Curitiba. Na quinta-feira (01/09) os livros estavam prontos e a gráfica me avisou que eles já estavam com a transportadora. O Vinícius confirmou a entrega na segunda e reservou uma pessoa para receber o caminhão durante aquele dia. Mas a transportadora quis entregar na sexta, não achou ninguém, viu o meu telefone de DDD de São Paulo e não me ligou. Confusa, voltou para casa (a gráfica é de Santa Catarina, a transportadora acredito que também é) e só me avisou disso tudo na segunda às 16h30, que entregaria novamente apenas na terça. Isso me deixou um pouco aflito, mas rapidamente me acalmei, pois tinha alguns dias de espaço para o lançamento justamente por isso. Na terça os livros chegaram como informado e deu tudo certo!
Como rolaria naquela semana a Bienal de Quadrinhos de Curitiba (que comentei neste post aqui), onde lançaríamos o livro, cheguei na quarta-feira para já começar a autografar e acertar as recompensas dos apoiadores. Foram mais de 20 horas de trabalho entre colar os destinatários e remetentes nos envelopes, arrumar planilhas para facilitar o manuseio, separar livros e outros brindes para pacotes mais complicados, assinar e desenhar nos livros, embalar cada um e finalmente fechar tudo.
E a entrega, que achamos que ia dar muito trabalho, acabou sendo foi super tranquila. Como já tínhamos entregue uma série de livros no próprio evento para amigos e outros apoiadores e eu ainda levaria alguns para Campinas para entregar em mãos, sobraram por volta de 150 pacotes, que foram de uma vez só enviados.
Assim, finalmente, acabou a jornada do nosso primeiro financiamento coletivo. Entre erros e acertos, no final deu tudo certo.
Agora é a jornada da venda em eventos!
Algumas Curiosidades
- Inicialmente a HQ se chamaria apenas “Tinta Fresca”, mas depois descobri que já existia uma HQ chamada Tinta Fresca. Rara de se encontrar, de outro autor, sobre um tema totalmente diferente, mas eu quis evitar confusões. Eu e o Vinícius então buscamos um subtítulo que combinasse com a história, daí surgiu “Destino Traçado”.
- A página final, no futuro, foi inserida durante uma etapa de revisão e decupagem do roteiro. Achei legal mostrar um final que deixasse o leitor imaginando como o Ícaro chegaria até ali e o que seria aquele item que ele segura.
- Ter mais Dons além da Arte foi baseada na mesma ideia de elementos fundamentais de tudo segundo a alquimia (terra, fogo, água e ar), só que os meus sendo os elementos fundamentais dos seres humanos físico-psico-socialmente .
- Antes da versão final do roteiro (chamemos de V3), houveram outras duas ideias de rumos para a HQ desde que o projeto surgiu: a primeira original de 2012~2013 (V1) e a segunda de 2013~2014 que se tornou a webcomic (V2).
- O vilão original seria uma espécie de estampa maligna humanoide chamada Navalha Sombria. O porco era só mais um capanga.
- O nome original do Ícaro era Isaque e do irmão, Hércules, era Bruno.
- O Ícaro também teria uma irmã menor, Manuela.
- O pai do Ícaro não estaria desaparecido.
- O nome original do Leandro era Diego, ele seria mais obeso e bem mais alto que o Ícaro. Seria uma mistura de Oráculo com Inspetor Bugiganga, tendo uma participação importante na trama.
- O nome original da Natália era Sofia e ela seria uma descendente de japoneses.
- Na V2 haveria um mendigo barbudo chamado de Mago que seria um personagem importante na história. Na webcomic ele aparece na cela da delegacia dormindo com um gatinho ao lado do Ícaro.
- Após o fim da webcomic, cogitei colocar a Natália como protagonista para uma próxima versão do roteiro e mudar o foco da trama, mas não cheguei a desenvolver muito essa ideia.
- A participação do Bob, a estampa, seria bem maior na V3, mas foi diminuída em detrimento da Natália ser mais interessante como parceira de aventura.
- V1 e V2 seriam histórias muito mais violentas e viscerais do que ficou a versão final, mas optei por amenizar as cenas de luta e tortura para poder alcançar um público maior.
Conclusão
De Novembro de 2015 a Setembro de 2016 eu respirei este projeto, foram mais de dez meses de trabalho incessante até ter essa HQ impressa em mãos. Com o Vínicius ao meu lado virtualmente, já que fizemos tudo a distância, tivemos muitas etapas para vencer: roteiro, layouts, Catarse, desenhar, letreirizar, colorir, montar, pagar a gráfica, receber os exemplares, lançar em eventos, enviar aos apoiadores… Por meses eu desenhei toda noite sem descanso, depois ainda gastei praticamente todas as horas das minhas únicas duas semanas de férias para acelerar a etapa das as cores, luz e sombra e outras coisas.
Muitas vezes era tudo tão atropelado e assustador que eu achava que não tinha como terminar a tempo e beirava a desistência psicológica, mas o Vinícius seguia trabalhando caprichosamente e ainda haviam aqueles duzentos e tantos apoiadores estavam esperando ansiosamente seus exemplares e eu não tinha opção senão terminar e entregar para não decepcioná-los. E ainda bem que eu consegui vencer os momentos de dificuldade, porque a HQ ficou melhor do que eu sequer imaginaria. Fora que o lançamento na Bienal de Quadrinhos de Curitiba foi maravilhoso, ótima recepção do público e dos amigos presentes!
Há momentos muitos legais e momentos muito difíceis distribuídos na linha do tempo do trabalho com um quadrinho longo, variando bastante de artista para artista e de projeto para projeto, mas é como disse o Jim Carrey num discurso que vi esse ano: você sempre terá duas opções na vida, que são escolher o amor ou escolher o medo. E o amor sempre levará mais longe que todo o resto.
Tem também toda uma discussão sobre a realização de uma ideia e a satisfação que vem com isso, mas vou deixar para um post futuro, este já ficou grande demais.
Espero que este texto tão detalhado de compartilhamento de experiência de alguma forma sirva para sacear os curiosos que gostam de saber sobre os bastidores ou mesmo para ajudar quadrinistas interessados em seguir por um caminho parecido!
Finalizando, quero deixar claro aqui para que o Vinícius saiba que esse meu projeto, esse filho meu, só cresceu e existiu por causa do grande esforço dele também. Cara, obrigado demais por acreditar em mim e no meu projeto, por ouvir as minhas instruções, opinar afinadamente e dar o seu melhor! Não vejo a hora de podermos trabalhar juntos novamente, porque não é todo dia que se encontra alguém tão talentoso e que combina tanto no trabalho em arte.
Muito obrigado por ler até aqui e até o próximo projeto!
Digo Freitas
Caso queira me contatar para perguntar algo, sugerir ou conversar, é só me escrever através desta página de contato do site.