O Pedreiro – Hoje não, gato!
Semana passada a tirinha estava pronta quando a polêmica do assédio estourou, então nem tive como me pronunciar sobre o caso, mas hoje não pude fugir da responsabilidade de me explicar um pouco e de dizer a minha opinião. Algumas dessas coisas que vou falar sempre me incomodaram enquanto autor do personagem desde que percebi onde estava me metendo, mas eu nunca falei publicamente sobre isso por um pouco de medo de não saber usar as palavras certas para explicar toda essa problemática.
Primeiramente, alguns fatos que deveriam ser óbvios:
- O Pedreiro é uma caricatura de uma pessoa com uma atitude imprópria que realmente existe, não só no Brasil, mas em todo o mundo;
- Ele é uma piada irônica que usa do contexto da sua caricatura para mostrar o quão absurdo é o assédio diário que as mulheres passam nas ruas, nas festas, no trabalho, na vida em geral;
- Uma cantada na rua não é um elogio: é um ataque. Não interessa se alguma minoria de mulheres se sente melhor quando é elogiada desta forma, cantadas causam situações desconfortáveis às mulheres, além de muito medo do que pode acontecer a seguir.
Aí você me diz: “Mas, Digo, você cria várias destas cantadas e faz as tirinhas com o personagem há anos. Vai me dizer agora que é contra as cantadas de pedreiro nas ruas?”. SIM! Exatamente isso que eu estou publicamente dizendo neste post.
Na verdade, sempre achei o ato em si totalmente descabido e o personagem sempre foi guiado na linha do absurdo e da vergonha alheia; a piada sempre foi “Olha como isso é bizarro” e “Olha como esse cara não tem senso de ridículo”. De alguns anos para cá eu venho me conscientizando sobre diversas causas e a busca por mais igualdade e respeito às mulheres me trouxe a um ponto que precisei evitar diversas outras atitudes do Pedreiro nas tirinhas para ficar o menos agressivo possível para quem não entender o que está por trás do texto e da imagem. Por exemplo, o Pedreiro nunca chegou a beijar nenhum de seus “alvos”, mas ele já chegou a agarrar e puxar para mais perto e a falar coisas extremamente agressivas e invasivas. Podem perceber que nessa nova fase isso não aconteceu mais. Isso porque eu já trabalho numa linha muito tênue em que qualquer mal entendido pode me colocar em maus lençóis, onde podem achar que ao invés da crítica e eu faço o incentivo a essa prática.
Felizmente estou publicando as tirinhas por aqui desde 2011, vendendo o livro do Pedreiro há mais de 2 anos, atendendo e mostrando meu trabalho a diversos tipos de públicos, alcançando algumas dezenas de milhares de pessoas, e mesmo assim apenas 2 mulheres vieram perguntar sobre o meu objetivo e, após conversarmos numa boa, nenhuma delas voltou a reportar algo a mim, então eu me sinto mais tranquilo em imaginar que as pessoas entendem sim a proposta e que não preciso abandonar o personagem por nenhum problema grave.
É só ter um mínimo de empatia e ouvir os diversos relatos que as mulheres contam (inclusive no Twitter há alguns dias houve uma ação com #primeiroassedio, se não leu, leia) para ver que ninguém “merece ser cantada”ou “merece ser estuprada”. Mulheres são seres humanos e o dia que todos forem tratados com a mesma dignidade e respeito estaremos num mundo muito, muito melhor, onde não precisaremos mais usar frases como “Imagina se fosse com a sua esposa, filha ou mãe?” para parar os pensamentos machistas que acabam com tantas vidas a cada minuto.
Espero ter sido claro o suficiente e não ter deixado nenhum mal entendido pendente. E que vocês continuem rindo comigo aqui desse imbecil que odiamos amar e amamos odiar!
Para fechar, deixo com vocês o vídeo da Jout Jout dessa semana que fala exatamente sobre assédio às mulheres. Até semana que vem!
Pedreiro: Uma gata me conquistou, me amarrou e disse que hoje tem... estou ansioso!
Pedreiro: Continua ansioso.
Pedreiro: Minha nosso senhora da pá de cal... Eu vou morrer aqui!
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Eu pelo menos sempre encarei o personagem assim, também.
Até porque, no geral, ele que se ferra!
A responsabilidade de escrever um texto pra uma tira realmente é grande, é bacana saber que tanta gente tem observado isso.