Ganhei de presente há um tempo a biografia “J. R. R. Tolkien – o Senhor da Fantasia” lançado aqui pela DarkSide, mas só terminei a sua leitura na semana passada.
O livro compila diversas fases da vida do criador da Terra-média, onde habitam as histórias dos livros O Hobbit, O Senhor dos Anéis, O Silmarillion, entre outras, entre seu nascimento em 1892 à sua morte em 1973. Existem inclusive diversas informações interessantes que nem passavam em minha cabeça sobre sua trajetória como professor e escritor. Me identifiquei com muita coisa, aliás.
Mas o que mais me deixou pensando e disposto a escrever este texto foi a opinião dura de Tolkien sobre os escritos de outros autores, como seu amigo de longa data C. S. Lewis, e também alegorias que as pessoas enxergavam em suas histórias
No prefácio de A Sociedade do Anel, Tolkien discorre seu rancor contra críticos e leitores que encontraram paralelos de O Senhor dos Anéis e a Segunda Guerra Mundial. Este primeiro volume foi lançado em 1953, oito anos após o final da guerra.
Como O Senhor dos Anéis trata de uma guerra entre nações que foi crescendo ano após ano, com forças sombrias tentando submeter as outras, foi bastante comum essa relação. Mas para Tolkien isso parecia ofensivo:
“Quanto a qualquer significado interno ou “mensagem”, não houve intenção do autor. Não é alegórico nem tópico. […]
[…] A guerra real não se parece com a guerra lendária em seu processo ou sua conclusão. Se ele tivesse inspirado ou direcionado o desenvolvimento da lenda, então certamente o Anel teria sido tomado e usado contra Sauron; ele não teria sido aniquilado, mas escravizado, e Barad-dûr não teria sido destruída, mas ocupada.”
(tradução minha)
E segue nos próximos parágrafos discutindo como ele poderia alterar os acontecimentos e personagens para ser, sim, uma verdadeira alegoria. Aqui Tolkien mostra uma posição controversa em relação aos seus estudos e seus próprios escritos. Sempre foi de conhecimento comum aos fãs de sua obra que a história de amor de “Beren e Lúthien” é inspirada em seu amor para com sua esposa e dedicada à ela, como ele próprio afirmava. E, como estudioso de línguas e tradutor, com certeza teve contato com diversos contos morais que perpassam todas culturas e épocas aos quais não poderia ignorar seus símbolos e significados.
Caso ainda não esteja claro para você, segue uma definição do que é uma alegoria:
alegoria
substantivo
1. um poema, peça, imagem, etc, em que o significado aparente dos personagens e eventos é utilizado para simbolizar um significado moral ou espiritual mais profundo
(Dicionário de Inglês Britânico Collins, tradução minha)
2. a técnica ou gênero que isso representa
3. uso de tal simbolismo para ilustrar a verdade ou uma moral
4. qualquer coisa usada como símbolo ou emblema
Exemplificando, uma alegoria é uma história altamente metafórica que, ao ser compreendida em sua completude, indica relação com uma mensagem ou uma outra história, onde cada personagem, objeto, local ou acontecimento pode ter um significado simbólico para com a segunda história. Algo similar com uma parábola que ao fundo tem uma mensagem moral, só que geralmente associada à fatos históricos ou relações sociais. Os filmes Mãe! e Corra! são exemplos de alegorias feitas no cinema recentemente.
Talvez futuramente eu faça um texto sobre alegorias, metáforas, parábolas, analogias, simbologias e afins para complementar este assunto.
O que Tolkien não aceita é que os leitores façam suas próprias interpretações de sua obra. Conforme dito na biografia, ele rejeita alegorias e as considera histórias pobres. Inclusive se sente ofendido quando encontram significados que ele não colocou ali propositalmente.
Porém, entendo que obras artísticas são sempre resultado da mistura entre as diversas inspirações culturais do autor, aliadas ao seu contexto emocional, social e político. Por mais que não se queira passar conscientemente qualquer mensagem, algo pode ser construído subconscientemente, ou mesmo uma mensagem sempre poderá ser entendida através das vivências do leitor.
Uma vez a obra lançada, fica a cargo do leitor carregar aquilo de significados para si mesmo.
Por mais que Tolkien não aceitasse essa alegoria à Guerra, ela estará sempre ali, para que um novo leitor possa minuciosamente traçar paralelos e tentar desvendá-la. Então, tentar controlar como os outros entenderão seu trabalho é tolice. O controle do autor acaba quando a obra sai de sua mão.
Espero que tenham gostado do texto e nos vemos em um próximo!
Obs.: Deixo aqui minha recomendação ao livro para quem é curioso para saber como ele conseguiu construir um universo que serviu de inspiração para outras tantas coisas, como o RPG e a volta dos épicos medievais na cultura moderna. Ou quem simplesmente gosta de biografias bem escritas. Isto não é um post patrocinado.
PS: Já leu o texto anterior? Aqui o link!
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