De tempos em tempos eu acabo esbarrando em uma coisa que me faz esbarrar em outra e, quando percebo, lá estou eu vendo coisas sobre RPG Maker. É culpa daquela sensação gostosa de nostalgia que eu sinto com algumas coisas, como quando eu papeava em canais undergound do IRC, ou nos grupos de pseudo-RPG de Harry Potter do MSN Groups, ou quando o Ragnarök Online não era prejudicial na minha vida, ou quando eu conheci o Magic The Gathering… Mas esses são temas para outros posts.
Começando do começo, “RPG Maker”, do japonês “RPG Tsukūru” (RPGツクール), em brasileirês “Fazedor de RPG”, é um software antigaço de desenvolvimento de games que foi criado pela ASCII, que deu seus primeiros passos ainda nos anos 80, e foi vendido para a Enterbrain depois que o negócio começou a pipocar fora do Japão. Bem lá no começo, o RPG Maker já era desenvolvido para consoles, ou seja, era um jogo para criar jogos, mas só japoneses conseguiam usar o programa, porque ele era todo em japonês. Você pode até tentar usar algo em espanhol, alemão, francês, mas entender os kanjis japoneses não é uma tarefa fácil.
Com a chegada do RPG Maker 2000, houve uma revolução no “mundo maker” (que nem existia anda) tudo por culpa de uma tradução completa do programa (mas também completamente ilegal) do japonês para o inglês por um russo que se auto-intitulava “Don Miguel”. A maluquice do cara foi tamanha que ele adicionou um jogo demo em que ele explicava como se utilizava a ferramenta. Claro, o programa foi distribuído como pirata pela internet e o mundo todo baixou esta versão do Don Miguel, que foi até distribuída naquelas revistas com CDs que eram populares aqui no Brasil no começo dos anos 2000. E foi aí que tudo começou para mim.
Em 2001 eu já sapeava no mundo da programação. Com outra revista da mesma editora eu tinha adquirido o software “M.U.G.E.N.” (que os mais velhos já devem ter conhecido quando jogavam aqueles jogos de luta com gráficos estranhíssimos onde dava para colocar o Goku e o Ryu para saírem na porra) e produzia algumas coisinhas. Mas esse software era muito limitado: minha vontade de fazer jogos sempre foi grande e jogos de luta não tinham muito como encaixar uma história (pelo menos na época). Eu não tinha a menor ideia de como criar meus próprios lutadores, portanto tinha que ficar usando as criações dos outros que geralmente eram rips dos clássicos dos consoles ou arcades.
É culpa do meu pai. Ele tinha que passar semanalmente ou quinzenalmente no banco, eu nunca entendi muito bem porque, mas deveria ter algo a ver com o fato de ele ser diretor administrativo e financeiro da escola infantil que os meus pais criaram, e também que nos anos 90 o Internet Banking ainda não nos salvava das filas dos bancos. Enfim, enquanto ele sofria esperando sentado no ar condicionado, eu ia correndo na banca fuçar as revistas para ver onde eu investiria meus ricos 10 reais que recebia de mesada mensal (na época uma fortuna). E lá estava ela, a revista Top Games Especial que dizia:
“Faça seu game de RPG”
Maluco, pra mim isso era mais ou menos como dizer: Vai, meu filho, realize seu sonho! Pois foi exatamente o que eu comecei a fazer. Eu instalei aquela belezura em um dos PCs com AMD disponíveis em casa ou na escolinha (todos piores que o AMD Celeron) e joguei a demo do Don Miguel (imagem ao lado). Era pobre de gráficos, tudo muito colorido, mapas feios, mas era um jogo feito por um cara que dizia para mim: Você pode fazer joguinhos também, criança!
Meus primeiros passos na ferramenta foram vergonhosos. Li e reli a revista diversas vezes até entender o que eles estavam explicando. Refiz aquele tutorial pelo menos umas 5 vezes de ponta a ponta, porque eu queria aprender a fazer um RPG e era isso que conseguiria. Por fim, consegui fazer o tutorial da revista, e em cima dele comecei a criar meu Final Fantasy-like, que não lembro muito bem a história na época, mas envolvia falar com um monte de gente na ordem certa para obter uma chave, lutar com o boss e salvar o mundo.
Um cara que é muito importante em muitas das minhas escolhas que me fizeram chegar até aqui hoje foi o Felipe, que é um grande amigo meu, e, na época, meu vizinho de bairro. Foi ele que me mostrou o jeito certo de se jogar Magic, por exemplo, mas isso é outro assunto. Nós éramos nerds felizes, qualquer coisa com computador nos animava, e quando mostrei a ele o RPG Maker, acabei mais empolgado ainda, porque ele me ajudou a entender uma série de coisas que eu não tinha sacado. Eu não era muito bom em inglês ainda, entendia coisa ali e aqui e me virava, por isso no RPG Maker 2000 eu não fui muito feliz, apesar de tentar muito, pouco coisa saía.
Foi na edição da mesma revista Top Games que saiu o RPG Maker 2003 da Maker Universe (famosa “MU”) que fiquei verdadeiramente aficcionado em fazer jogos (essa edição infelizmente não encontrei a capa na internet). O programa tinha sido totalmente traduzido para o português e vinha com a versão mais recente da ferramenta, que tinha um sistema de batalha lateral ao contrário do antigo que era frontal, entre outras inovações que fariam daquele o melhor RPG Maker já criado, na minha opinião, mas explico depois o porquê.
Me cadastrei no fórum da Maker Universe, o maior que já existiu de RPG Maker no Brasil, e comecei a passar tardes inteiras discutindo e criando jogos de RPG em casa pela internet. Pouco a pouco percebi que eu gostava mais de fazer a engine de batalha, escolher músicas boas, criar cenários e chars (os personagens eram feitos com no máximo uma área de 24×32 pixels) do que propriamente criar a história do jogo.
E foi assim que o “mariohacker”, meu apelido nos fóruns da época, se tornou mais um desenvolvedor e experimentador de engines do que um cara que realmente terminava jogos. Não que existisse muita gente que os terminasse, afinal éramos todos adolescentes indecisos e um jogo nunca ficava pronto ou por orgulho ou por preguiça. Long story short, a Maker Universe morreu um ano e pouco depois (não encontrei exatamente as datas, mas a MU acabou por volta de 2004), e eu fiquei órfão, buscando novos fóruns. A galera da MU tinha uma inexplicável tr3t4 com outro site chamado RPG Menace, que ainda existe, e por esse e outros motivos, eu não me sentia em casa lá. Tempos depois o Vila Makers foi criado e muita gente migrou, mas o estrago já tinha sido feito. O mundo maker nunca mais seria o mesmo depois do fim da MU.
Continuei desenvolvendo meu dotes maker e até dei uma fuçada no RPG Maker XP, que era totalmente fora do que eu considerava a estética legal do RPG Maker e que dependia demais de saber programar RGSS (Linguagem de scripting para jogos baseado no Ruby), mas continuei no 2003. Quando o XP foi lançado, eu já sabia um pouco de programação, brincava no Pascal e conhecia cada detalhe de cada botão do RPG Maker 2003. O que eu quisesse fazer, era só ter um pouco paciência, entender como driblar as limitações do software (que eram muitas) e pronto, estava feito. Batalha estilo Zelda? Mostrar HP/MP na tela? Mostrar relógio da hora e trocar dia e noite? Não haviam obstáculos, tudo dava para ser feito. Inclusive eu criei muitos tutoriais legais para a MU, mas que morreram com o fórum.
Na verdade eu gostava muito mais de ficar conversando nos fóruns do que desenvolvendo, na verdade. Um sonho não realizado era ser um moderador em qualquer um daqueles fóruns que eu participei, mas nenhum me deu a chance. Só ganhei minha primeira staff quando o PucRO estava nos seus últimos dias. Mas aí não era RPG Maker, ou seja, ficou como amor platônico mesmo esse negócio de vaga na moderação.
Avancemos mais alguns anos no futuro, pois houve um hiato na minha vida de desenvolvedor de jogos quando eu conheci o Ragnarök em 2006. O RPG Maker VX é lançado em 2007, e os malucos da internet não demoram para lançar a versão pirata em inglês, que foi em seguida pirateada para português. A sensação de estar quase em casa é instantânea. A vantagem principal sobre o XP era que aquele monte de ações em eventos por botão voltou, o gráfico ficou com resolução menor (o pixel art estava de volta), e o RGSS perdeu um pouco da importância. Foi nesse maker que dei meus últimos passos.
Em 2008, finalmente abri mão do RPG Maker 2003 e comecei a desenvolver um jogo no VX sobre o animê Bucky, e desta vez investiria de verdade em terminar. Corri atrás de imagens do jogo, criei os chars, peguei as músicas, entrei em contato com o pessoal que tinha as legendas do animê, e a comunidade do Orkut me ajudou muito. Porém, eu estava começando a faculdade, terminava o curso técnico, tinha também o estágio, e a coisa foi complicando. Consegui lançar uma demo, mas a luta final não funcionava corretamente. Continuei insistindo por dois anos até que percebi que aquele jogo nunca ficaria pronto. Eram 26 episódios do animê e eu tinha demorado um ano e meio para fazer o primeiro episódio. No blog do projeto eu postei a minha despedida e disponibilizei os arquivos. Era o fim da minha saga no RPG Maker.
Por quase 10 anos, nesse software foi onde eu exercitei a minha criatividade. Infelizmente ainda não tinha aberto meus olhos aos quadrinhos. Curiosamente, foi quando parei de fazer jogos que a fagulha de fazer tiras acendeu dentro de mim, e foi justamente por causa do meu amigo Felipe, que novamente me deu um empurrão, o que coisa atrás de coisa, me fez chegar aqui. Mas acho que já estamos bem de historinha da minha vida por hoje, certo?
Se você leu até aqui, comente alguma coisa aí embaixo, se viveu essa época, ou onde você contava as suas histórias, ou sobre coisas que também te dão essa nostalgia boa.
Obrigado e até a próxima!
Boa a época do RPG Maker, ele que me levou ao curso de Computação e com certeza exercitou bastante a minha criatividade (No meu caso, da criação de algoritmos, que para mim se chamava usar eventos kkkkkkkkkk)
Saudades da MU e da VilaMakers, a propósito eu era o Dark_Dragon!
É, DD, eu também fiz um graduação na área de computação por causa da minha experiência nos Makers.
A Vila Makers era legal, uma pena também ter morrido.
Parece que o Condado Braveheart é do MG Link também, mas aí já não tenho mais tempo para brincar de fazer jogos e nem amigos fazendo também…
e aí dark_dragon, blz? lembra de mim? sou o Avatar da vilamakers. como anda cara? largou o maker de vez? a vilamakers agora é a condadobraveheart.com qualquer dia passa lá… t+
Caramba, me diverti muito brincando no RPG Maker 2000. Na época eu tinha (ainda o tenho) um personagem chamado Samurai Mexicano que cheguei a fazer uns Fanzines. A motivação dele era basicamente enfrentar heróis japoneses e comecei uma história no RPG Maker seguindo a “cronologia” do que fiz nos Fanzines. O legal é que eu podia colocar qualquer personagem na história e começou a ficar com tanta coisa e tão grandioso (na minha cabeça pelo menos) que não consegui terminar o jogo.
Tentei abrir-lo a um tempo atrás e não lembrava quase nada de como programar, joguei um pouco, tinha alguns bugs (porque emulei no Mac)…foi divertido, mas preferi deixar na minha memória. :p
A facilidade do RPG Maker era e é muito atraente para quem não tem a menor ideia do que é uma linguagem de programação ou não quer perder tempo reinventando a roda.
E eu também parei para deixar as boas lembranças viverem felizes.
Todo mundo tem uma história com RPG Maker. Minha profissão hoje de certa forma veio da minha história com o RM e ainda tenho alguns amigos daquela época. Não sou bem do início, acho que comecei em 2007 por ai, nick Night’ Walker, era administrador da ReinoRPG que surgiu um tempo depois.
Eu gostaria de voltar a fazer jogos e principalmente colaborar com a comunidade agora que sei muito mais de programação, mas o meu excesso de atividades me impede de tentar abraçar mais um compromisso, infelizmente…
Eu trabalho com publicidade hoje, tenho bem mais noção profissional pra gerenciar um projeto e até visão comercial, mas também falta de tempo e grana pra bancar sozinho. Têm um amigo da época do RPG Maker que tá terminando faculdade de games, sempre tentamos começar algo mais sério rs. Empaca mesmo na falta de um ilustrador para os gráficos.
É bem difícil trabalhar em grupo para fazer jogos, ainda mais no nosso caso que dificilmente envolve dinheiro. Já vi projetos muito bacanas e organizados de equipe irem pro ralo bem rápido. Todo mundo tem um objetivo a realizar quando entra numa onda dessa, mas vai percebendo que ele está bem mais longe do que parecia antes na idealização.
Pra mim que já tenho meus dons de ilustrador, sempre foi mais fácil nesse ponto, mas a sobrecarga é bem grande, um dos motivos da maioria dos makers não terminar nada.
Mas pra mim a experiência sempre valeu mais que jogos terminados. Minhas engines criadas nos makers me divertiam mais que fazer jogos em si.