O meu primeiro contato com Dom Casmurro foi forçado, como o de muita gente: tinha que estudar para o vestibular e lá estava a obra máxima do Machado de Assis no meio dos livros selecionados para a maldita prova. “Machado de Assis?” pensava “Deve ser um saco”. E não era! O preconceito me afastava de uma das melhores obras da literatura brasileira, e eu diria até que tem seu valor em âmbito mundial também! Não é a toa que é tão cultuado até hoje. Para quem não sabe, em resumo Dom Casmurro é a história de amor entre dois adolescentes, Capitu e Bentinho, narrado pelo último, em seu auge e sua crise, onde a dúvida e o ciúme começam a desmoronar o castelo do amor perfeito.
Quando o Mario me contou que estava adaptando esta obra para quadrinhos eu fiquei muito curioso e me perguntei se já não haviam outras adaptações da mesma obra disponíveis, mas acabei esquecendo e não pesquisando. Na verdade eu queria ver esta graphic novel com a cabeça mais limpa possível do que era aquela história que tinha me cativado tanto quando eu estava no ensino médio. E quando eu comecei a ler esta versão eu tive a sensação de estar lendo aquela obra novamente, só que agora como uma experiência totalmente nova. Não que os personagens ou cenários fugissem do que eu imaginei quando li o original. Muito pelo contrário, o Felipe e o Mario trouxeram representações próximas até demais do que eu visualizava nas páginas do livro. A verdadeira novidade foi ver as emoções de cada personagem a cada momento me mergulhando cena a cena para mais fundo dentro da história. O Mario tem uma habilidade sem medida para tratar de sentimentos só usando seus desenhos, o que já acompanho em seus trabalhos independentes, e aqui ele prova que está, sim, cada vez melhor.
Como essa ideia de traduzir o livro para quadrinhos começou há muitos anos e neste meio tempo o Mario entrou como participante e acabou se tornando único quadrinista do projeto, saíram algumas adaptaçõe com a mesma intenção. Confesso que ainda não li as outras duas versões, a de José Aguiar e Wellington Srbeck (80 páginas) ou a de Rodrigo Rosa e Ivan Jaf (88 páginas), mas só as 232 páginas desta que comento em comparação às outras já dá sinal de uma profundidade muito maior no desenvolvimento da trama. Claro, sem desqualificar as outras duas, que espero um dia também ter contato.
O resultado é todo em preto e branco, apesar de que existam os que preferem a cor nos quadrinhos, aqui eles notarão que não se trata de preguiça ou de economia em tinta, mas de uma forma quase de adaptar o dualismo da história. No geral, é todo preto no branco, mas quando o artista usa o branco sobre o preto, é para mostrar os momentos mais introspectivos e pensamentos mais obscuros de Bentinho. A maior parte da obra segue um padrão tradicional, quadrinhos fechados, balões e fonte conservadoras, recordatórios constantes, resultando em um estilo mais contido. A representação de cada personagem foi no geral muito bem pensada, com um porém em Capitu e Sancha, que em alguns momentos chegam a se confundir, tamanhas as semelhanças de cabelo, rosto e vestimenta. É interessante também abrir o livro no começo e no fim e comparar a evolução do traço no início e no fim da história, ainda que mais pesado na composição das páginas acompanhando a evolução do drama, as figuras tem hachuras muito mais finas e bem colocadas. Já no roteiro, Felipe seleciona as partes mais importantes e os diálogos, mesmo que fora do nosso tempo, funcionam muito bem apesar de alguns momentos isolados, e mesmo sendo sua primeira vez roteirizando quadrinhos, conseguiu tratar seu texto como se não a fosse.
Pode parecer muita idolatria da minha parte tecer tantos elogios à uma obra de um artista que conheço e admiro, mas quanto mais se conhece, mais se tem parâmetros à crítica, e aqui fecho quase sem nenhuma, tamanha a qualidade final do trabalho da dupla. Para tirar a dúvida, façam o seguinte: leiam a obra e teçam suas próprias opiniões. Se gostou do livro, vai adorar a versão. E se não conhece nenhum, está aí uma ótima chance de experimentar esta incrível adaptação.
Título: Dom Casmurro
Autor: Machado de Assis
Adaptação: Felipe Greco (roteiro) e Mario Cau (arte)
Editora: Devir – 2012
Arte: 5/5
Roteiro: 5/5
Geral: 5/5
Gostaria de adquirir o livro.